Bons tempos eram quando a sua família se reunia no almoço pra ver as notícias ou na hora da novela das oito. Momentos hoje considerados insignificantes graças a tecnologia que afasta cada vez mais os indivíduos, mas ao mesmo tempo, exigindo que os outros sejam arrastados ao seu próprio mundo. Ninguém por aqui vai dar lição de moral, não se preocupe.
Só por hoje vamos conhecer o impacto que a televisão de tubo causou na minha vida através de memórias que parecem estar vivas até hoje. E não me refiro ao fato de derrubar uma televisão de vinte polegadas no pé de uma criança. O impacto é emocional: é saudade. Acompanhe-me em uma viagem no tempo através de minhas memórias.
Os primeiros passos:
Quando eu percebi que eu existia, isto é, logo antes dos três anos de idade eu já dividia meu espaço físico com uma televisão. A minha família naquela época tinha bastante dinheiro e como prêmio meus pais assistiam filmes em VHS em uma PHILCO de trinta polegadas. Aquela televisão tinha uma imagem incrível, tanto é que despertava inveja nos vizinhos (eles não tinham).
Naquela época o meu pai comprou um Nintendo 64 e de quebra, Super Mario 64. Por um bom tempo aquele encanador italiano foi o meu companheiro de aventuras. Era um jogo amigável e colorido, meus pais podiam trabalhar tranquilamente porque o filho deles estava seguro em casa. Tempo depois alguém invadiu a minha casa durante o verão, roubando roupas dos meus pais e o meu N64.
Mas você sabe o que os arrombados não conseguiram levar?
Isso mesmo: a televisão de trinta polegadas.
Foi naquela mesma televisão que eu comecei a assistir filmes do meu pai, com o meu pai. Eu tive o privilégio de assistir O Gladiador na época do lançamento em VHS. Um tempo depois meus pais alugaram um Playstation 1, gerando um defeito na televisão. Foi azar. A televisão foi pro conserto e voltou melhor ainda, mas a minha mãe acabou comprando uma televisão de vinte polegadas pro meu quarto. Se eu estragasse a TV, seria responsabilidade minha.
Quando chegou a época de transição tecnológica onde todo mundo queria ter algum periférico bizarro meus pais compraram uma televisão tela plana. O monstro de trinta polegadas acabou indo parar no quarto dos meus pais, local onde acabei assistindo Animax durante a melhor época da minha adolescência. Quando chegou o dia de viajar para outra cidade a minha família resolveu dar aquele monstro pra minha avó materna.
Morganah está procurando a imagem perfeita.
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A televisão de vinte polegadas no meu quarto:
Naquela época toda criança ou jovem precisava ter um videogame em casa. Não só era simbolo de status na vizinhança como também era um jeito diferente de se divertir nos dias de chuva. Bom... a minha mãe detestava essa ideia de ficar horas jogando dentro de casa quando eu podia estar na rua jogando bola. Troque hoje o videogame por smartphones e você vai perceber que o problema não mudou tanto. Ela tinha razão, ela era minha mãe.
Meu pai colocou aquela TV Philco de vinte polegadas encima do rack branco que deram pra minha mãe quando eu nasci. Eu deixava a televisão bem no canto pra colocar o videogame do outro lado. Achava arriscado deixar o console encima da televisão ou no chão. Ter uma televisão no próprio quarto naquela época era tão rebelde quanto deixar o seu filho se trancar com uma garota. Os pais gostavam de vigiar o que os filhos faziam, então quarto de porta fechada não era legal.
Quando você ligava a televisão, o canhão explodia. Fazia um tchim-boom. Outras televisões da época possuíam uma tela azul como stand by, mas a minha era vermelha. E os dígitos eram amarelos, ficavam no canto superior direito. Por um bom tempo eu joguei Super Nintendo pela entrada da antena. Só fui descobrir o que era S-Video dez anos atrás. Eu não me importava muito com qualidade naquela época, mas sintonizar o cabo de rosca era uma agonia.
Aquela televisão foi lendária. Me acompanhou desde a infância até a minha conturbada adolescência. Nunca foi para o conserto e sempre estava no meu quarto pra quando der e vier. Foi ela que testemunhou minha dedicação em completar 100% em todos os cartuchos que eu tinha. Eu mudei de endereço três vezes e ela estava firme e forte em todos eles. Ela poderia estar aqui comigo senão fosse por um terrível incidente em 2009.
Em um ataque de fúria o meu pai jogou fora a minha televisão.
O motivo? Uma prova que tirei zero (que foi anulada dias depois).
Morganah está procurando a imagem perfeita.
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A percepção das locadoras:
Eu tinha apenas dois amigos naquela época que tinham uma Sony Triniton em casa. Um deles era rico, a mãe dele era advogada. O outro não lembro, mas eram bem de vida. Os jovens poderiam até comentar sobre a imagem, mas crianças não se preocupavam com isso. Quero dizer, eu não me preocupava com isso. Fora meus amigos, a única vez que vi uma Sony foi em uma locadora.
Em meados de 2005 eu estava sofrendo de abstinência. Eu jogava muito, até meus amigos reclamavam disso. Meus pais permitiam que eu pudesse jogar caso eu tirasse notas altas na escola que, geralmente, era fácil pra mim. Foi quando nessa época eu comecei a gastar o dinheiro do lanche na locadora Impacto. A Impacto era uma garagem com seis Sony Wega com quatro PS1 e dois PS2 disputados pela galera. Eu sempre escolhi a televisão das extremidades.
Jogar no PS1 era mais barato do que jogar no PS2. Por isso que eu jogava mais horas no PS1, sempre escolhendo os mesmos jogos: Medal Of Honor, Tony Hawk's Pro Skater 2, Crash Bandicoot Warped, Jackie Chan Stuntmaster... essas coisas. Houve dias que eu não sabia o que jogar e acabava escolhendo o jogo por causa da capa. Foi assim que eu me arrependi ao escolher HUGO, de todas as coisas. Meus amigos gostavam era de futebol... pra variar.
Enquanto o pessoal fazia fila pra jogar GTA San Andreas eu gostava de jogar algo mais colorido no PS2: GTA Vice City. Enquanto você jogava o amigo ao seu lado cantava as trapaças pra vocês brincarem de sociopata. Ninguém fazia missão porque dependia do conhecimento inexistente do inglês. Eu lembro que todas as revistas de videogames tinham alguma personagem considerada gostosa quase pelada na capa, na contra capa ou quando tiver oportunidade.
A última vez que fui em uma locadora eu quase quebrei a perna.
Mas isso é material para outro tópico, hehe...
Não se engane: a Impacto não era assim.
Peguei a primeira imagem do Google, tá pensando o quê?
O fim de todas as coisas:
Foi em meados de 2010 que as pessoas começaram a desenvolver por aqui a mentalidade de deixar para trás o que era velho pra comprar o que era novo. Em outras palavras o pessoal começou a vender as televisões de tubo para poder comprar a desejada televisão de tela plana, na época mais resistente do que estamos acostumados a ver nas lojas hoje em dia.
Entretanto foram poucas pessoas que tiveram o prazer de comprar uma. Não parece, mas o Brasil é um pais pobre. Se você não tinha dinheiro pra comprar uma televisão de dois mil reais tinha que se contentar com aquela televisão de tubo do quarto. Como eu nasci e cresci ao lado do Uruguai era fácil viajar pra comprar o que era bom por menos. Foi assim que meus pais compraram uma tela plana de quarenta polegadas no Chuí em 2009.
Os meus amigos ficavam impressionados quando visitavam a minha casa. Era uma casa pequena, apertada, mas com design limpo. A primeira coisa que eles olhavam quando entravam pela porta da frente era aquela Samsung grudada na parede. Eu lembro que o primeiro filme que eu assisti foi Tá Dando Onda (2007), época essa que o Pânico na TV era engraçado e o Black Eye Peas dominava a rádio com uma visão excitante da tecnologia.
Estourar o Nokia XpressMusic na escola com Boom Boom Pow.
Se você jamais viveu isso... só lamento.
A nova era do desapego:
Era 2015. Minha família viajou 500km para visitar a prima da minha mãe. A filha dela tinha um Mega Drive com Sonic 2. Durante o almoço eu perguntei pra minha tia se ela ainda tinha o console. Ela disse que tinha vendido para alguém porque a filha dela já era adulta e não tirava mais da caixa. Perguntei se ela conhecia alguma loja retro, mas ela não soube responder.
Nesse exato momento despertou em mim a vontade de recuperar as memórias da minha infância. Eu não me importava se os outros não davam valor, eu queria ter a oportunidade de recuperar uma experiência que era importante para mim. Como eu sabia que um dia tudo aquilo iria valer uma fortuna fui comprando aos poucos consoles usados de pessoas que apenas queriam se desfazer do que na época chamavam carinhosamente de lixo.
Mas eu precisava era mesmo de uma TV de tubo. Após o antigo dono do meu SNES testar Megaman X em uma LCD ficou visível a necessidade de comprar uma televisão antiga. Foi quando um cara que morava perto da minha casa me vendeu um monstro de trinta polegadas por menos de cem reais. Não só o cara me vendeu como levou o monstro de carro e ainda colocou no meu quarto. Eu fiquei tão feliz que na época até publiquei no Facebook.
Certo dia, a televisão foi pra sala de estar. Ela pegava todo sol que entrava pela janela, o calor é bem quente por aqui. Quando minha mãe assistia novela o tubo ficou vermelho. A minha mãe achou estranho, mas eu sabia que havia chegado a hora de dizer adeus. Você sabe o que eu fiz? Eu vendi a televisão pelo mesmo preço que paguei na época.
Eu sei... isso foi a maior sacanagem da minha parte.
Mas foi com essa grana que eu comprei...
Morganah está procurando a imagem perfeita.
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A minha última televisão:
O período de isolamento gerado pela pandemia ferrou com a vida do mundo inteiro, isso é verdade. Entretanto dois anos antes eu percebi a explosão retrô no youtube. Em um piscar de olhos colecionar coisas antigas era legal de novo. O pessoal começou a enaltecer o que um dia era obscuro, os preços desse lixo todo triplicaram e quem tinha saudade ficou desesperado.
Para a minha felicidade eu já tinha em casa o que precisava. Se eu quisesse jogar alguma coisa não precisaria pagar uma fortuna por algo que levei barato anos atrás. No pior dos casos era só jogar em um emulador e aguardar pela oportunidade. Mas eu precisava comprar uma nova TV. Eu precisava comprar uma televisão boa o suficiente pra durar mais dez anos.
Certa noite eu estava procurando algumas ofertas quando um casal humilde aqui da cidade queria vender a PHILIPS Ultra-Slim de vinte polegadas. Ela estava perfeita. Gentilmente perguntei o motivo da venda e o casal respondeu que estavam com medo daquela TV, porque toda vez que ligavam o bicho esquentava bastante. Eu não pensei duas vezes: comprei.
Essa televisão foi a primeira TV pesada que consegui levar do carro até o meu quarto sem deixar cair no chão. Quando eu era criança tentei fazer a mesma coisa e quase quebrei o que tinha na época. Lembro de chorar quando liguei a TV e vi aquela mancha no canto superior direito. Chega ser poético, não é mesmo? Eu sou um artista, eu gosto disso.
Neste exato momento ela está do meu lado, desligada.
Quem sabe um dia não jogo alguma coisa nela?
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E estas foram as memórias de uma televisão de tubo.
Na verdade... a minha perspectiva da história.
No próximo tópico vamos conversar sobre o legado que esta tecnologia deixou para nós. Vamos conversar também sobre as consequências da paixão pelo antigo. Até quanto é saudável se preocupar com a validade de uma televisão? Comprar uma coleção de jogos apenas para manter lacrada é preservação ou doença? Isso e muito mais no próximo episódio.
Muito obrigado por ler.
Até a próxima! \o/
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