Se tem uma coisa que eu sempre achei interessante mas que poucas vezes assisti foram programas de entrevistas, os famosos Talk Shows. Geralmente o host chama um convidado e faz uma série de perguntas que logo viram uma conversa descontraída... isso quando não dá treta. Pois bem: inspirado nessa categoria de entretenimento eu resolvi trazer ao website diversas entrevistas que irei fazer com inúmeros convidados, boa parte deles envolvidos com o Super Nintendo.
Para inaugurar a sessão de entrevistas da Nintendo Purple eu recebo ele, um brasileiro gente fina que além de ter deixado o seu legado na comunidade internacional de SMWhacking contribuindo com inúmeras resources e experiencias novas também é músico e bom de tiro (pelo menos no Crossfire). Damas e cavaleiros não fiquem com medo do diabo até porque com um par de chifres enfiados nos olhos só mesmo com um milagre. Com vocês: Blind Devil!
Nintendo Purple: É um prazer receber-lo por aqui.
Como se sente como o primeiro convidado á fazer uma entrevista para o website?
Blind Devil: "Estou contente. Achei uma ideia bem bacana para conhecer melhor os hackers de SMW, ou no meu caso, quase ex-hacker lol. Porque eu parei há uns anos atrás, depois de ter contribuído bastante com o imenso SMWCP2, e ter tentado um remake do MKUCS com diversas melhorias e coisas novas... mas eis que rolou burnout e não foi pra frente. Aí parei de novo mais uns anos, e recentemente voltei com um outro projetinho "rolê aleatório" (créditos pro Ringo pela definição!). Porém por conta de eu ser muito recluso, de início fiquei meio surpreso com o convite pra entrevista."
Nintendo Purple: Que ótimo, bom ouvir. Mas me conta... de onde surgiu essa ideia de ser chamado literalmente Diabo Cego?
Se não me engano a sua marca visual é o desenho de um capeta com os chifres nos olhos. Existe todo um significado ou deu a louca na hora?
Blind Devil: "Demônios podem ser criaturas legais. Eu gostava disso na minha adolescência por ouvir muito metal melódico com essas temáticas épicas de magia, dragões, guerreiros, demônios, anjos, deuses e por aí vai. Devil também tem um pouco a ver com Tekken (Devil Gene que o Jin e o Kazuya possuem). O Blind é literalmente o título de uma música do Stratovarius que gostava pra caramba. Aí pensando em nicknames em 2010, surgiu o Blind Devil, fusão das duas coisas. Achei que fosse um nome único (embora não seja tanto se for pesquisar no tio gugol), e me identifiquei. Daí então o resto é história. O avatar do Blind Devil surgiu pra complementar o nick e tem só essa função mesmo. Pobre criatura nunca conseguiu um corpo. Sei desenhar até esse nível não."
Nintendo Purple: Como a gurizada mesmo diz seu nome ficou "icônico". Achei curioso porque no meu caso tive parentes religiosos (minha avó e uma tia) e lembro qualquer personagem que eu desenhava com chifres achavam que era coisa do diabo. Minha avó mesmo fugia das minhas cartas de Yu-Gi-Oh (ela tinha medo do Man Eater Bug). Você se considera alguém religioso ou já passou por situações parecida com seus amigos ou familiares?
Blind Devil: "Não sei se posso me considerar religioso hoje em dia. Fiz catequese, comunhão, crisma... depois virei ateu, depois voltei a acreditar em Deus até o momento presente. E acho que só minha mãe mesmo é que deu aquela criticada básica no começo quando mostrei meus primeiros releases na SMWC, quando ela viu o avatar, perguntou o que significava o nome em inglês, só que não lembro direito da reação exata dela. Diria que só aquele espanto normal que alguém tem depois de ver algo questionável. Isso tudo com o tempo passou, já que eu não me associo a entidades de nenhum tipo pra fazer ritual ou qualquer outra coisa que não seja meus hobbies. Que nem pra hobbies eu me associo com nada não. Que fique claro. lol"
Nintendo Purple: Entendo perfeitamente. Mas no caso foi você mesmo que desenhou a arte, certo? Eu sei que dentro do hobby você mesmo desenhou os Tilesets de alguns projetos de sua autoria. Do seu ponto de vista... dá trabalho?
Blind Devil: "Sim, eu mesmo desenhei. Umas três versões. Dá muito trabalho, porque sempre foi o tipo de coisa que procurei fazer pra dar um toque a mais de originalidade. Mas que nunca foi meu foco. Na minha cabeça, a hora de fazer pixel art sempre era a mais traumática de todas. Só que como era meio que obrigado a fazer, fazia, em nome da individualidade. E também porque nunca curti ficar pedindo para outros fazerem coisas pra mim. Por mais que muitos pudessem fazer conteúdo infinitamente superior, também tem questão de tempo, ter que esperar, se preparar pra qualquer imprevisto... então de qualquer forma eu teria que pôr a mão na massa nem que fosse pra ter só um placeholder."
Nintendo Purple: Sinceramente a arte ficou boa porque ao contrário de arte corporativa o que você fez foi cru e genuíno. Eles olham pro capeta e pimba: se lembram de você. Tá certo que é um hobby mas acredito que a funcionalidade da arte foi mais importante do que a qualidade da mesma. Concorda?
Blind Devil: "Concordo. Porque assim como a arte também representa aquilo que eu tentei criar, também representa que tento criar tudo que posso quando está ao meu alcance. E a qualidade é o de menos. O foco é consistência e coerência."
Nintendo Purple: Bom. Antes de nós conhecermos um pouco mais sobre seus projetos dentro da comunidade de SMWhacking eu gostaria de saber mais sobre a sua outra paixão, que é a música. Você mesmo disse agora pouco que parte da inspiração do nome surgiu de uma banda que você gosta. Como músico o que te inspira? Quais são suas outras bandas favoritas (ou vai que tu curte um Molejo)?.
Blind Devil: "Se eu pudesse responder essa pergunta há uns 5 ou 10 anos atrás, diria que minha inspiração musical vem do desafio, até porque pra tocar heavy metal tem que ter um grau insano de habilidade, principalmente se for melódico. E essas melodias são satisfatórias demais de ouvir. E em jogos, sonoridade e melodia também contam pontos. Aí o que começou como brincadeira na parte de criar músicas pra hacks de SMW se converteu em escrever metal pra uma banda. Um hobby levou a outro. E sobre bandas favoritas, como citei tem o Stratovarius, mas além também tem Cain's Offering, Rhapsody of Fire, Sonata Arctica, Iron Maiden... Fora do metal eu acho que não curto nada tanto assim, porque o grau de complexidade nem se compara. Acho uma lástima que músicas simplórias/mainstream façam mais sucesso do que bandas de metal que são muito superiores ao menos tecnicamente falando. Talvez algumas sinfonias clássicas ou VGMs mais marcantes, mas nada assim muito específico no que se refere a artista."
Nintendo Purple: Curiosamente dentre as bandas que você citou acredito que o pessoal só conheça uma, que é Iron Maiden. É engraçado porque é como se as outras bandas fossem "pesadas" demais pro pessoal ou até mesmo obscuras. Você sabe que eu mesmo na sétima série tive que levar pra escola uma música em inglês pra traduzir e adivinhe: eu escolhi The Number Of The Beast do Iron Maiden. Foi ridículo porque creio eu o bullying começou aí. Tu já chegou a sofrer perseguição por ser você mesmo na época de escola?
Blind Devil: "Eu já sofria bullying antes de saberem dos meus gostos. 2005, quinta série, no entanto foi mais porque troquei de escola. Depois que souberam dos gostos musicais, os bullies mudaram, mas nunca deixei de ser quem eu era. Na minha época de 2006 a 2009 eu curtia System of a Down, e eu era zoado. Pelo menos não era o único - eu tinha amigos com gostos parecidos. Mas de tanto não dar importância pro que falavam ou faziam, o bullying sumiu... ainda virei crush de uma das "bullies" no ensino médio. O mundo capota."
Nintendo Purple: O pior disso é que o Ensino não se importa, certo. Na minha época a minha escola incentivava os estudantes a brigarem fora da escola pra evitar que fosse mencionado o nome do Instituto durante as queixas matinais na rádio local. Curioso você comentar sobre uma valentona gostar de você porque geralmente o pessoal só vê esse tipo de coisa em animes. Falando nisso... tu curte desenho japonês?
Blind Devil: "Curto muito, apesar de também não conhecer praticamente nada. É aquela coisa, eu admiro bastante animes por exemplo, mas completo só vi Dragon Ball Z mesmo. Animes, mangás e artes orientais me chamam atenção pelo nível de dedicação envolvido. Inclusive gosto bastante de festivais de cultura japonesa. E inclusive estive em um que teve recentemente."
Nintendo Purple: Qual deles? Tem coisa boa lá?
Blind Devil: "Anime Buzz. Tem bancas de mangás, bancas de acessórios, camisetas, travesseiros, bonecos, alimentos... e também entrevistas com dubladores, concurso de dança k-pop, animekê livre (soltei a voz e deu ruim, a história por trás é tragicômica), e bandas cover que sempre estão presentes. Em outros eventos onde ocorre o Festival do Japão, tem mais coisas ainda: árvores bonsai, artes marciais, instrumentos e apresentações étnicas e mais uma porção de coisa... é maravilhoso."
Nintendo Purple: Opa! Você disse artes marciais?
Não me diga que eles fazem torneio de karatê e vendem nunchakus também?
Blind Devil: "Não fazem torneio mas fazem demonstrações, tipo mini aulas. Acho que só vi espadas de madeira, arco e flecha pra vender, mas se olhar com mais calma deve ter mais coisa."
Nintendo Purple: Ah, sim! O famoso Bokken (se não me engano os japoneses usam isso pra treinar Kendo). Você mencionou que gostava de jogar Tekken. No meu caso eu não sou o tipo que é mestre em jogo de luta, tanto é que jogar online me faz cair a minha pressão arterial. A sua paixão por jogos começou por este jogo? Que memórias deste jogo você leva no coração?
Blind Devil: "Em se tratando de jogos de luta, começou com o Tekken 3. Sempre achei um dos melhores jogos de luta 3D. Posteriormente conheci o Soulcalibur, e gostei mais ainda (lutas 3D com espadas, que tal)... infelizmente os títulos recentes não são tão bons. O online do Soulcalibur 6 me traumatizou e só tenho lembranças ruins desse jogo por conta dos múltiplos impactos negativos que tiveram na minha vida, dentro e fora do jogo. Hoje em dia não jogo nenhum título nem casualmente pois me falta "tempo" [fazendo gesto de dindin com a mão]."
Nintendo Purple: Tu só sabia jogar com quem?
Eu só sei jogar com os mais previsíveis, tipo Bruce Lee fake.
Blind Devil: "Heihachi. Por falar nisso, RIP"
Nintendo Purple: Mas um gamer de verdade não curte só um gênero, certo? Me contaram que você adora jogar algumas partidas daqueles jogos de tiro (FPS) online. Se é verdade, qual jogo de tiro você mais gosta? Assim... pra (tentar) relaxar.
Blind Devil: "Ah, eu gostava de Crossfire. Mais ou menos em 2012 quando lançaram servidores no Brasil eu jogava todo final de semana na casa de um amigo da minha antiga banda. Eu não tinha internet em casa. Mesmo assim sempre fui uma lenda no jogo. O tempo passou e o jogo decaiu, e eu que jogava muito decaí também (queda de desempenho ilógica, os inimigos comprovadamente não estavam puros), até que no começo desse ano desisti do jogo por completo, porque além do PvP estar uma porcaria, o jogo está mal otimizado e a minha batata não roda mais... o que é muito louco também porque eu joguei em batatas infinitamente inferiores lá atrás e o jogo era uma belezura. Então não jogo mais nenhum jogo de tiro. De repente se eu faturar alto e comprar um PC gamer eu tente algum título mais moderno/estruturado/justo, mas não cogito retornar pro CF."
Nintendo Purple: Você tinha uma banda? Que demais!
Qual era a sua parte? Guitarra, baixo, bateria... ou era o descolado que tocava teclado?
Blind Devil: "Bateria. Era um cara que não tocava nada e que aprendeu na brincadeira a tocar o básico mas que nunca evoluiu pra algo mais pesado a ponto de ser suficientemente bom pra tocar metal melódico. Onde já se viu um baterista que até hoje nunca teve uma bateria própria, nunca teve aulas e nunca treinou na vida fora dias de ensaio da banda?"
Nintendo Purple: Eu tive um amigo que tocava bateria (não sei o que a vida levou dele). O cara era insano porque ele tirava as músicas de ouvido mas como morávamos em uma cidade pacata do interior o trabalho dele era "apenas barulho". O engraçado sobre bateristas é que durante uma apresentação indie quem leva pior é sempre o baterista (montar e desmontar a bateria). Tu já chegou a usar aqueles triggers que bandas de metalcore usam?
Blind Devil: "Nunca usei. Mas sim, sofria todo dia de ensaio e todo dia de show tendo que montar e desmontar minhas coisas, e depois carregar aquele peso no busão... em dia de chuva então pqp."
Nintendo Purple: Mas hoje, a sua antiga banda por acaso possui algum material disponível?
Ou vocês jamais cogitaram gravar alguma coisa, sei lá.
Blind Devil: "Tem material no YT, umas duas ou três músicas, alguns shows, etc, que por conta de conflito interno eu prefiro não dar mais detalhes de como ou onde pesquisar. Acho que até foi lançado o primeiro álbum todo depois que eu saí da banda, só que como deixei de acompanhar e também vazei de todas as redes sociais, eu não tenho certeza de nada na verdade."
Nintendo Purple: Fizestes bem. Eu acredito que redes sociais hoje em dia alienam mais do que beneficiam seus usuários. É bom pra divulgar algo mais sério, mas pra quem é mais atoa... mente vazia, oficina do diabo (risos). Mas e sua carreira solo? Possui algum material disponível?
Como os leitores podem conhecer o seu trabalho musical na internet?
Blind Devil: "Só tenho uma música lançada no YT. Escrita em 2011, lançada por volta de 2020 no meu canal. O nome da música é Chase the Stars. O projeto se chama Miraflecmor. O lançamento feito na época tá em qualidade abaixo do ideal, mas eu lancei num período que tava extremamente deprimido... tava meio que me despedindo do mundo. Mas como tô vivo ainda, tô me esforçando pra ver se até agosto consigo lançar um álbum completo com qualidade menos pior e tirar essas composições de 2011 das sombras pra enfim tentar compor coisas novas."
Nintendo Purple: Eu gosto de dizer que a verdadeira arte vem do coração, sabe. Ela perturba as pessoas mais "normais" porque é um material genuíno, expressivo. Se eu fosse você eu teria orgulho do que você fez porque é uma prova que você viveu e está vivo. O artista precisa da arte, é inevitável. Concorda?
Blind Devil: "Um artista precisa encontrar satisfação naquilo que cria. É de fato inevitável. Uma vez que a pessoa que faz algo realmente gosta daquilo, por mais que em momentos a cabeça não esteja no clima pra tal coisa, sempre vai existir aquele desejo de transformar um sonho, uma ideia, em realidade... por mais que a execução não saia 100% como gostaríamos. E por vezes essas ideias aparecem do nada."
O trabalho até então mais recente de Blind Devil.
Vale a pena ouvir!
Nintendo Purple: Indo pro assunto a que todos nos interessa: SMWhacking.
Como e quando despertou o interesse em entrar de cabeça no hobby?
Blind Devil: "De 2005 a 2010 eu conheci emuladores de SNES e baixava ROMs pra jogar. Tinha um site que toda semana postava algumas ROMs novas, e nisso estavam aparecendo hacks de SMW. Apareceram tantas, mas tantas, e aí foi que comecei a me perguntar "como será que faz isso?". Catando nas webz achei o Lunar Magic. Como faz tempo não lembro exatamente da história pra achar, minhas primeiras tentativas de level design... e tudo se perdeu com os PCs antigos que deram pau nos respectivos HDs. Foi assim até 2010 quando me cadastrei na SMW Central apesar de ter conhecido o site lá por 2008 ou 2009, e continuou assim até alguns anos depois de cadastrado. Muito projeto foi pro saco por conta de problemas de computador. Raras foram as desistências por achar que não tava bom. E eu me achava na época, como pessoa eu era péssimo. Sempre muito competitivo."
Nintendo Purple: Você se considerava competitivo? Mas por que?
O que despertou ou até mesmo lhe incentivou á agir desta maneira?
Blind Devil: "Muitas coisas. A principal delas era pra ter reconhecimento, de querer ser lembrado como melhor em alguma coisa, senão em todas as áreas de SMW hacking. Quando eu prezava por originalidade em algum projeto eu ia até as últimas consequências pra isso. Também queria de certa forma ter alguma influência na SMWC. Embora com intenções muito boas pra unir a comunidade, dar chances para novatos terem uma visibilidade melhor, mais justa e tudo mais, a forma com a qual eu fazia isso era extremamente agressiva e tóxica. Em vez de elaborar meus motivos de forma construtiva e esperar na boa, eu agia por impulso e tentava conseguir atenção na marra. Culminou na grande treta de 2012/2013 quando tiveram aplicações gerais, e quase me rendeu um banimento, mas antes do banhammer torar, eu já tinha saído da SMWC pra refletir a respeito."
Nintendo Purple: SMWcentral é uma comunidade centralizada em um hobby. Você mesmo disse que sua presença nessa comunidade (se não estou enganado) despertou seu lado mais competitivo ainda jovem. Na sua honesta opinião tu acredita que o seu caso é isolado ou esse lance de querer ser o melhor faz parte da comunidade de uma maneira geral?
Blind Devil: "Não vejo casos assim como regra, se bem que existem vários assim em qualquer comunidade. Aliás, depois que voltei pra lá, até identifiquei alguns potenciais "Blind Devils de 2012" que então procurei direcionar para que ficassem mais racionais e não levassem um hobby tão a sério a ponto de causar rusgas e problemas pra ambos os lados. No meu ponto de vista deu certo. O episódio ruim do passado trouxe muita maturidade, e quando retornei percebi que poderia agregar aos poucos sem aquela coisa de querer holofote. Apenas fiz minha parte. Nem todo mundo faz algo querendo ser melhor, apenas faz porque gosta. O resto vem como consequência, e não podemos forçar a barra."
Nintendo Purple: Sendo honesto eu mesmo já passei por uma fase similar no começo da qual me envergonho de lembrar. Na época eu estava sofrendo emocionalmente e precisava de algo pra me fazer sentir vivo. Rolou inúmeras desavenças, foi intenso. Eu dava mais importância para o hobby do que a minha vida pessoal. Foram tempos horríveis mas, como você mesmo disse, maturidade é importante. Concordo plenamente com você.
Mas voltando ao assunto, não é mesmo... vamos falar das suas hacks.
Como é produzir um mod de Super Mario World?
Blind Devil: "Antigamente não tinha muita direção em termos de criar uma fase - era meio que só pegar coisas que se entendia como bacanas e começar a ir tacando na tela. Mas pra quem tem mais experiência, tem um monte de análises por trás. É quase que como desenvolver um jogo próprio, mas nesse caso algumas ferramentas e recursos já estão disponíveis pra começar a trabalhar. Aí tem experimentação, tem testes constantes... e isso é só level design. Tem mais os mapas, história pro caso de querer criar uma, seleção de gráficos, músicas, ASM... e ao aumentar a gama de opções, o trampo que tem também aumenta (acreditem se quiser!). Existe bastante liberdade quanto a modificar o SMW. Tudo depende do estilo da pessoa. Eu sou um desses mais "certinhos" que tenta fazer com que o produto final se pareça com um jogo autêntico de SNES. Ou era. O projeto "rolê aleatório" já destoa dessa minha mentalidade habitual."
Nintendo Purple: Criativamente falando você enxerga estas modificações da mesma forma que um jogo licenciado de Super Nintendo. Quais são os limites técnicos pra se produzir uma ROMhack? Dentre o que é possível editar na ROM o que você considera o mais difícil/mais fácil?
Blind Devil: "Limitações de espaço (embora seja possível expandir a ROM, o SNES não é um supercomputador) e limitações do console (processamento, sprites na tela, etc., embora também existam os tais enhancement chips pra dar um suporte extra) são as principais. Não dá, por exemplo, pra fazer modelos ultra realistas no SNES. E se por acaso der, o SNES vai processá-los muito lentamente (ou vai fritar também). Entre o que é fácil ou difícil acho que é meio subjetivo. Pra uns, otimizar recursos pra economizar espaço é mais tranquilo de fazer do que desenvolver um level criativo e memorável (meu caso). Em outras palavras, a parte técnica costuma ser pra mim mais fácil porque é mais lógica e não dá tanta margem pra erro... até por que um erro acaba causando um crash e aí né... um sinal óbvio de que deu ruim e tem que arrumar de alguma forma."
Resources, jogos e um fórum praticamente morto.
Nintendo Purple: Acredito que para se produzir tal material você deve ter se inspirado em alguma coisa.
Quais jogos originais te deram uma aula inspiradora sobre Level Design?
Blind Devil: "Jogos de exploração com mini-puzzles, como The Legend of Zelda e Metroid. No caso de Zelda, moldou toda minha mentalidade de criação de um jogo, não só level design. Meu único projeto que viu a luz do dia, com a qual fiquei satisfeito ao lançar, que é o Mushroom Kingdom - Under Crimson Skies, é extremamente inspirado em Zelda. O desenrolar da história, os elementos nas fases, progressão, gráficos, músicas... poderia talvez atér ser convertido em um jogo top-down tipo A Link to the Past. Mas minha inspiração não vem só de jogos originais, mas também hacks. The Tale of Elementia do Supertails tinha essa vibe também puxada pra algo parecido. Acho que Supertails também se inspirou nos mesmos jogos que eu, mas como TToE nunca foi concluído, serviu de motivação para eu fazer o meu tentando imaginar como seria se ele tivesse sido finalizado."
Nintendo Purple: Qual dos seus projetos você considera o seu melhor trabalho?
Daqueles que você assina embaixo e coloca em uma moldura (ou não chegou a hora ainda).
Blind Devil: "Só o MKUCS. Até porque não tem outro lançamento meu que se enquadra. Lancei uns demos de Super Mario's Legend - Vacations at the Tropics, Vanilla Failure - Blind Devil's Final Stand, e lancei Blind Devil's Trip Back in Time que foi uma compilação de fases bem tensa, só pra que elas simplesmente não fossem pro limbo eterno."
Nintendo Purple: Se tem algo comum na produção de jogos é refazer um projeto antigo pra manter a qualidade de trabalhos mais recentes.
No seu caso como desenvolvedor já houve uma vontade de fazer um remake de algum mod de sua autoria?
Blind Devil: "Aconteceu com o MKUCS, como citei lá no início. Que aconteceu lá por 2022 depois de eu ter contribuído com o SMWCP2. Minha intenção era tentar colocar todos os meus aprendizados em prática pra fazer da hack um negócio dos sonhos. Melhorias de level design levavam em conta o feedback recebido da primeira versão. Extras estavam planejados - eram muitos, e boa parte foi programada, incluindo um Pause menu que mostrava progresso. Como fã do bom e velho SMW Redrawn do icegoom, o estilo gráfico do remake também estava indo para este lado (não foi inicialmente porque estava mais confortável fazendo arte mais simples). Não mexi na trilha sonora mas queria mexer nos samples de maneira geral, pra tentar deixar o MKUCS ainda mais distante do SMW original. E é uma lista gigante de coisas. Só que no meio do caminho fiquei cansado e desisti, pois já não estava mais tendo gosto pelo hobby. O desenvolvimento tinha se tornado como uma tarefa sem fim, e por mais que quisesse ver aquela belezinha ali pronta, eu tinha que dar a vida. Mas a vida tava acabando, eu tava entrando em depressão profunda. Parei o progresso ao chegar no boss do Entangled Dungeon, que já estava todo esquematizado, era só programar mesmo."
Nintendo Purple: Entendo perfeitamente. Mas programar com ASM é fácil?
O pessoal diz na internet que é o cão chupando manga.
Blind Devil: "Também depende muito do que se quer fazer. Tudo começa difícil até o momento que se pratica bastante. Sempre brinquei que meu talento de ASM era ser avançado no básico. Aprendi mais ASM ainda depois que ajudei na SMWC com remoderação de sprites e patches, e até fui um tutor em um dos workshops que acontecerem no Discord, ensinando essas paradinhas mais básicas de LDA/STA, explicando o que são RAM addresses, algumas funções que possuem, tudo bem minucioso. Então, programar com ASM é relativamente de boas. Difícil só é começar."
Nintendo Purple: Você mencionou ter colaborado com um projeto chamado SMWCP2.
O que foi esse projeto e qual foi a sua parte? Foi uma experiência gratificante?
Blind Devil: "SMWCP2 foi o segundo projeto colaborativo da SMW Central em larga escala. Iniciado em 2011, era um negócio absurdo de grande, ousado e ambicioso. Alguns anos depois, entrou no famoso "development hell", e por lá ficou por um bom tempo. Isso se manteve até o período que virei moderador de ASM, e vi que internamente o pessoal do staff discutia sobre o que fazer. Mas era só discussão, testes e mais testes, mas ninguém pra se prontificar de tentar retomar o projeto por achar que não teriam mão de obra com qualidade suficiente. Eis que eu era um dos usuários de longa data do site também louco pra ver esse jogo pronto, então algo tinha que ser feito. De pronto, peguei os cacos, inicialmente sem falar com ninguém, e comecei a arrumar tudo quanto era coisa sozinho. Meses depois, falei com o staff sobre o meu progresso - afinal, se é um collab, não posso querer dar conta de tudo sozinho, né - e daí pra frente, outros usuários surgiram pra fazer um esforço e apoiar na causa, sendo Falconpunch o segundo na hierarquia da nova era do SMWCP2. A grosso modo, minha parte foi de tudo um pouco. Gerenciei, arrumei, otimizei, criei novos recursos e até fases que na época dos signups não tive sorte de conseguir - fases que substituíram outras que não tinham qualquer possibilidade de funcionar 100% por conta justamente das limitações técnicas. E foi gratificante porque o objetivo de ao menos tirar o projeto de um eterno estado de "em progresso, um dia fica pronto" foi concluído. Não foi concluído 100%, mas o lançamento aconteceu. Ninguém mais precisa se preocupar com o tal SMWCP2 ou ficar esperando mais algumas décadas pra jogar."
Uma das maiores hacks colaborativas da comunidade internacional.
Quem te viu, quem te vê!
Nintendo Purple: Um de seus levels chamados LIVING STONE, produzido em 2019 participou da colaboração brasileira 1st Kochobo Dourado. O projeto foi um sucesso, principalmente entre os brasileiros. Como membro da comunidade brasileira Mario Hacks com que palavras você define a sua experiência com a criatividade de outros brasileiros?
Blind Devil: "Gostei de fazer parte. Conta muito na história da comunidade brasileira, que está repleta de representantes de alto nível. Os estilos são dos mais sortidos, e os nomes são antigos e novos. Não falta variedade. E todos têm seu espaço garantido pra mostrar a que vieram."
Nintendo Purple: Concordo.
Se tem uma coisa que brasileiro tem é criatividade. O que falta é incentivo pra superar o preconceito que "brasileiro não sabe fazer coisa boa". Quando eu estava na Mario Hacks testemunhei diversos relatos de usuários que tinham receio que "os gringos" descobrissem a sua nacionalidade (como se isso justificasse a má qualidade). A partir do momento que essa pessoa fica famosa por seus méritos os outros já não consideravam mais um deles.
Em algum momento você já se sentiu inseguro na SMWCentral pela sua nacionalidade?
Até porque lá eles se comunicam em inglês.
Blind Devil: "Pior que não. Até porque na minha época de "serumaninho competitivo" eu queria ser visto como o brasileiro que conseguiu se equiparar aos gringos, até mesmo superando-os. Eu me sentia diferenciado por conta de querer fazer tudo e pensava que tinha tudo pra conseguir esse feito. Só que eu mesmo já estava infectado com o tal do estereótipo de hacker brasileiro, caindo em contradição. Eu era tentando mostrar não ser embora fazendo questão de dizer que era. Bizarrice. Tal mentalidade de uma década atrás também acarretou em destruição. Até hoje não me perdoo de ter feito uma pessoa desistir do hobby por conta da minha toxicidade - negócio de estereótipo, agressividade, imaturidade, competitividade... estragou a mim e a terceiros. Espero que ela um dia saiba que sinto muito. Infelizmente é tarde demais pra tentar reparar..."
Nintendo Purple: Passado é passado. O importante é o futuro, não é mesmo?
Falando nisso quais são seus planos pra 2024? Pretende surpreender a comunidade?
Blind Devil: "Agosto, my dudes! Mês de agosto vai ter algumas surpresas boas, e outras nem tanto. O maior deles é sem dúvida o projeto Miraflecmor de metal melódico, que tá em andamento. O outro eu não sei se consigo concluir a tempo, mas é o projeto de SMW que estou trabalhando atualmente, que chamo de Unlearn, e é um ode aos anos 2000-2005. Tributo à hacks simples onde os hackers gostavam de modificar conteúdo de forma por vezes questionável, alterando velocidades, efeitos sonoros, paletas... uns ExGFX de leve, a trilha sonora de SMAS SMB3 com adições... Unlearn é aquilo que pode se imaginar se fosse dessa época. Só que o autor tá usando cheat e veio do futuro com amplo conhecimento de coisas que não se tinha muita noção no período. Já o resto... é surpresa. Tá, não é tanto assim pra alguns mais chegados, porém até pra estes tenho surpresas também. Óbvio que todo esse meu material não vai ser aquela coisa de encher os olhos, acho que de inesperado já basta eu estar ativo fazendo hack. "Blind, tu não tinha largado de mão?" Acontece que tenho memória curta e esqueci que tinha largado de mão. Mals aê."
Nintendo Purple: O pessoal comenta que não aguenta mais ouvir as músicas originais do Super Mario World. Na sua visão ainda é divertido jogar a versão original do clássico que muitos adoram ou esse lance de SMWhack é caminho sem volta?
Blind Devil: "Não muito. Quando posso pego a capa e voo por cima de tudo. Ainda morro em excesso no Tubular. Me vê aí também um Yoshi azul e um casco, por favor. Valeu."
Nintendo Purple: Kaizo se tornou o mais novo elefante na sala pra comunidade. Pra quem não sabe é uma categoria popular devido a extrema dificuldade. E com tamanha popularidade projetos mais tradicionais acabaram desaparecendo lentamente. Na sua visão, Blind Devil, você acredita que essa sensação é passageira? Kaizo realmente veio pra ficar e agora que os casuais se explodam? Como que funciona essa parada aí.
Blind Devil: "O Kaizo tá popular porque hoje em dia não tem mais tanta gente que jogue como tinha antigamente, que daí quando iria jogar alguma coisa, ia lá, dava aquela pesquisada marota pra achar alguma hack interessante, baixava e jogava, e hacks Kaizo não tinham tanto espaço. Atualmente o pessoal pesquisa por gente jogando, pra ver jogadores se torturando ou mitando no Kaizo, o que motivou mais gente a criar Kaizo para torturar mais pessoas e chegar naqueles streamers conhecidos. Pra quem ainda joga standard, quero acreditar que as coisas não mudaram muito, pois ainda existe público que cria hacks e também cria ferramentas e recursos pra hacks do gênero. Talvez pela impressão do quanto o Kaizo está em alta dentre streamers é que dá a entender que standard está em baixa. De fato, se parar e olhar de fora parece que está mesmo, mas tentei formular essa teoria de que não pois é uma possibilidade, e eu não tô bem por dentro da comunidade pra afirmar se ela procede ou não.
Seria esse o projeto mais bizarro do ano?
Nintendo Purple: Vamos pra uma sessão rápida aleatória... Pepsi ou Coca-Cola?
Blind Devil: "Pepsi."
Nintendo Purple: Salgadinho Doritos ou Fandagos?
Blind Devil: "Amo os dois, mas vou de Doritos. Bagaça viciante demais oloco."
Nintendo Purple: Se fosse possível ter um poder, qual seria?
Blind Devil: "(tô pensando) Eita. Talvez só conseguir dominar um talento de forma plena, e talvez o de música, principalmente mixagem. Pensa numa coisa difícil. Isso sim é o diabo. ASM é fichinha."
Nintendo Purple: Gato ou cachorro?
Blind Devil: "Também gosto demais dos dois, mas os dogs da rua tão mais abertos a receber carinho de desconhecidos. Então é dog."
Nintendo Purple: Esporte predileto? Se futebol, que time torce?
Blind Devil: "Futebol, porque jogo semanalmente quando posso (perna de pau que dói mas ainda conta). Torço pro Grêmio, só que se tiver dando vexame, torço contra também."
Nintendo Purple: Agora que o tempo está acabando... essa é sua chance.
Que mensagem você deixaria para os seus fãs, pra quem deseja entrar de cabeça no SMWhacking (ou mais importante, pra quem conseguiu ler até aqui)?
Blind Devil: "Vai lá e faz teu nome, champz. Nada de se pilhar em tentar conseguir aquela visibilidade de uma celebridade. Isso é um hobby. O foco tá em curtir o momento da criação, é a parte mais satisfatória. Mas não deixe de considerar os feedbacks construtivos pois tudo isso agrega também!"
Nintendo Purple: Senhoritas e cavalheiros... esse foi Blind Devil.
Muito obrigado por aceitar o nosso convite. Boa sorte com seus projetos e até mais!
Blind Devil: "Valeu. Até um outro dia!"
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Entrevista concedida por texto em 21/04/2024 via Discord
e publicada com autorização do próprio convidado.
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